segunda-feira, junho 27, 2005

pequena cena de minutos e ânsias

A casa vazia. Os minutos caminham devagar. Espero. O mundo além das cortinas respira cansado. O tempo me mastiga doce.
Coisas que saíram do lugar se escondem pelos cantos delicadamente sujos. As mãos tremem, vacilam ante o vazio dos corredores estreitos: o pulso ecoa nas poças de silêncio.
Espero. Talvez em vão. Talvez os minutos queiram apenas me contar uma história qualquer, me entreter com seu ar de lenta e silenciosa digestão. Não que não haja alguma compaixão no olhar dos ponteiros. De fato, até me causa um certo conforto sua insistente melodia de uma nota só. É tênue, entretanto, a linha que separa a tragédia do riso. Sem opção, espero.
Um ruído. Seriam passos nas escadas? O longo e escuro hiato que se sucede parece dizer não. Palavras de pedra: espero. Falemos de casas, do loquaz exercício de regurgitar idéias alheias. Idéias pontiagudas, cumes de dores lentas e grosseiras. Falemos de silêncios, das amargas eloqüências do não-dito. Hipóteses que ardem num momento qualquer. Falemos de momentos, de átomos de tempo. Ou calemos.

Espero. Na suave ânsia de um dia inteiramente em paz.

sexta-feira, junho 24, 2005

das ruas e dos poros

De toda força orgânica que brota por entre nossos corpos, nas peles que expelem vigor em visco nos poros cansados e famintos, o mundo ao redor se avermelha. Da parede, gotejam frases de amor antigas, que se estilhaçam no vazio do quarto. Algo mais forte germina nas asas que a lágrima molhou, e debaixo da noite se alternam momentos de água e pedra.
Água e pedra que somos, movidos na sede inocente do dia, caminhamos bêbados pelas horas do nunca. As casas e seus eternos restos de sorrisos iluminam a rua molhada. As palavras se prendem na dúvida: pedra e água que somos, em eterno fluxo de formas e versos, sangramos uma poesia bela por ser inconstante, viva por ser temperamental.

quinta-feira, junho 09, 2005

durante a sombra

uma nota solta atravessa o tempo
melodia nua voa pelo espaço
fragmentos de um compasso que começa
e de passo em passo cresce e segue o traço
sob a meia luz da tarde, cordas soam
sobe o ritmo do tato, costas suam
debruçado sobre o tempo, horas voam
grito surdo do momento, olhos falam
fosse a fala vício insuficiente
o que cala congelasse todo instante
toda lágrima nos lave e leve à frente
nos revele tão mais leves adiante
por um tempo que vá fluido entre as peles
alimente o beijo, cante meu suspiro
e no átomo do hoje ainda zeles
pela última das vozes que eu respiro

(nos lave a chuva, lágrima indolor
nos leve a curva onde a curva for)

sexta-feira, junho 03, 2005

pés

para que vivamos com leveza
mergulhem-se os pés nas vozes do riacho
que pulse o peito no sabor do riso
e o sol surja por trás das entrelinhas
sejamos
(n)a leveza de um espírito descalço