segunda-feira, junho 26, 2006

o chá o gole as costas o chá

Cada gole de chá era um pequeno lampejo do que foi nossa vida, garganta abaixo.
Cada pequeno pedaço de tempo, interminável como as vozes roucas do momento anterior ao choro, do instante tremido da fotografia, um silêncio precedido de uma flauta, cada vapor do pequeno copo de chá, e o caminho a importar menos e menos, cada adiar do último gole era um cheiro das tuas costas, e lentamente um desaquecer do chá, cada resto de gole decantado no fundo do copo era um final de canção, ódio docemente melancólico, e as linhas do caminho eram invisíveis ao gosto do chá que ficara na boca, melancolia pontual e intrínseca, quase confortante, como vozes pequenas e mornas, como um gole inseguro e morno do pequeno chá amarelo.
Cada gole de chá era um pequeno cheiro das tuas costas.

segunda-feira, junho 05, 2006

um início de chuva

reescrita / plágio



Mãe, tu que um dia acordaste com os olhos em cinzas
recolhe pelo chão os despedaços dos amores de teus filhos.
Alimenta-os, e fecha as cortinas para protegê-los da luz
- pois sabes que não podes protegê-los das pessoas do mundo.

Sentes que talvez haja momentos
em que essa tua espécie será a mais fraca,
e darias a própria vida pelas fomes de teus filhos.

Mas o teu silêncio também tem fomes,
o corpo também dói, às vezes, quando é noite
e o quarto está escuro e vazio, e há vento.
Quando os filhos dormem em paz,
mas ainda há uma prece que soa, longe.
Talvez um choro em outro idioma.
Talvez um início de chuva, apenas.
Mas é quando há dor pelo teu corpo
e o que sobrou é um resto de música cíclica
e todos os filhos dormem em paz
- mas há em si, ainda, uma dor -
é que podes chorar pela própria vida, por toda a noite.