quinta-feira, janeiro 12, 2006

para minha irmã

Que agora lhe cobre uma manta finíssima de tempo e ânsia,
que têm também as flores no instante anterior à chuva,
isso eu sei.

O que ainda me é escuro
(talvez, um tempo em potência)
é o que há por entre as horas de tua pressa;
por entre os dias de tua doce angústia.

Porque o toque dos pés no asfalto é delicado e forte.
Força que vem da música dos passos, inevitável,
em frente, sempre.

Porque é no instante em que cessa a chuva
que as flores se tornam ainda mais flores.

terça-feira, janeiro 03, 2006

entreolhos

O equilíbrio dinâmico de um barco, os centros deslocados como uma melodia esparsa e interminável. Eram os olhos já quase verdes, mareados por uma névoa salgada e espessa, que vinha aos goles. O tempo como trajetos entremeados por ilhas, o estado de ensimesmamento que só tem o tempo das ilhas. Eram os horizontes, sempre.
Ventos esverdeados, a carícia lenta das correntes, forte. Era outro tempo. O sotaque encurvado das paisagens trazia cores arrebentadas contra o céu.
À noite, vinham as luzes derramadas pelas peles da água, as pedras sempre eternas em seu silêncio. Horas a perceber estrelas, suas rotas lentas, sua luz distante – fictícia talvez. Horas a perscrutar a beleza das imensidões, as praias e sua paciência náutica, o sinuoso bailar das ondas e dos silêncios.
Disso davam conta os olhos que haviam; de se entreolharem, por vezes viam em reflexo.