segunda-feira, outubro 31, 2005

interlúdio suave - passagem (parte III)

Por toda a beleza que brota dos destroços,
a esperança sendo como uma vertigem.
Aquela lucidez agressiva
jorrava em pedras
e sempre voltávamos a ser o afã de um próximo passo.
Pelos detalhes arruinados,
emergiam belezas em preto e branco,
fábulas inertes do ser em essência.
O contraste de uma imagem em ciclo,
a memória transparecendo em flor.
Pelo que há de belo nas sutis indistinções,
respiremos.

segunda-feira, outubro 17, 2005

da pedra à leveza - passagem (parte II)

O olhar bêbado debruçado sobre a praça
Eu a subir as escadas
O tempo cristalizado ao redor
Longuíssimas escadas de ontem e sempre
Um gesto tenso, contido
Pelo qual minha raiva doce demonstra incertezas
Um gesto de espaço curto, lento
Tudo que por um instante parece existência torta
Insistência parda

Penso nas escadas
Na lentidão retangular dos degraus
Na concretude redundante da pedra
Penso nas pedras que me atiraste
Penso na pedra que me tornei

segunda-feira, outubro 10, 2005

do espinho à petala - passagem (parte I)

O corpo amargamente suado da noite anterior, o rosto alimenta-se de algum vento na janela esguia. Pelas paredes de vidro, o mundo caminha com suas vozes impuras e pequenas verdades. A imagem corta, sangra em qualquer superfície, furta-se ao olhar atento. Reflexos de um gosto envelhecido na garganta. Todas as inocências do cansaço ou da embriaguez se estilhaçam numa terra áspera e cinza. A vida parou? Ao mundo não importa: os olhares nunca se encontram por mais de um segundo.
As mãos e as frases sujas se entrelaçam. Um longo momento de estupidez e as feridas voltam a latejar. Um longo momento de aflições, um dia inteiro em que nada mais valeria sem alguma esperança.
Sutil violência com que restam na boca a ressaca e os arrependimentos. A vida parou? Os vidros a enquadrar a imensa poesia da dor. Um súbito acordar ilumina os olhos cansados: a vida pede um respiro.