domingo, outubro 17, 2004

a estrada em círculo

Tenho saudade de vocês, e a saudade me atravessa como as curvas de uma estrada em círculo. Novos horizontes são novos motivos para lamentar o chão empurrado que ficou para trás. Tenho saudades várias, porque vocês foram um pedaço de mim, e hoje são infelizes lascas de pele morta que vez por outra fazem coçar as nuvens da nostalgia.
Tenho saudade de nós, do que éramos, fomos e não somos mais. Do tempo que era canção, e da brisa que batia na cara com gosto de certeza (d)e eternidade. Mais uma vez, o hoje era ali e sempre, por nós contemplado com a pura embriaguez de quem bebe avidamente as cores de vida que germinam por entre os dedos.
Hoje o vento vem aos sussurros, sem dizer sim ou não. Hoje o vento é triste e carrega consigo a frustração de não poder laçar o tempo.
Tenho saudade de mim.

quarta-feira, outubro 06, 2004

antídoto

Arde tênue e constante entre meus olhos o peso de uma nuvem. Cumulus nimbus de culpa, negra qual a água rota que carrega em fúrias de chover e aliviar-se. Sim, eu podia chorar minhas vísceras e diluir todo meu arrependimento; o erro é a parte de nossa integridade que vacila e rasga, sem às vezes respeitar à consciência.
Minhas vertigens se anulam pelo imenso peso que carrego. Sinto-me desesperadamente preso ao chão, envolto em águas sujas de mágoa. Disparo lágrimas contra todo o útero de meu sofrer, assisto inerte o desabrochar de meu mea-culpa.
Eu podia fugir para alhures, buscar o morno casulo do anonimato, mas a cena quedaria inacabada, num eterno e covarde vir-a-explodir. A inércia do quadro se faria tortura de agudez incrível, e assim, me embriagaria na fonte de todo esse padecimento.
Sim, eu poderia também continuar bêbado na deliciosa dor do errado inconsciente, mas a ressaca viria impetuosa e ácida. Pairar numa espiral do silêncio, leve em meio ao maremoto, não é possível quando se é alvo de mil vozes e olhares alheios - ou próprios.
Hoje enxergo quão equivocados foram meus ímpetos. Sem flagelar-me ou lamber-me em autopiedades, ressôo e suo antídotos para minhas cãibras.
Quisera eu a leveza dos cirros da inocência. Peço água e adormeço.