quarta-feira, outubro 06, 2004

antídoto

Arde tênue e constante entre meus olhos o peso de uma nuvem. Cumulus nimbus de culpa, negra qual a água rota que carrega em fúrias de chover e aliviar-se. Sim, eu podia chorar minhas vísceras e diluir todo meu arrependimento; o erro é a parte de nossa integridade que vacila e rasga, sem às vezes respeitar à consciência.
Minhas vertigens se anulam pelo imenso peso que carrego. Sinto-me desesperadamente preso ao chão, envolto em águas sujas de mágoa. Disparo lágrimas contra todo o útero de meu sofrer, assisto inerte o desabrochar de meu mea-culpa.
Eu podia fugir para alhures, buscar o morno casulo do anonimato, mas a cena quedaria inacabada, num eterno e covarde vir-a-explodir. A inércia do quadro se faria tortura de agudez incrível, e assim, me embriagaria na fonte de todo esse padecimento.
Sim, eu poderia também continuar bêbado na deliciosa dor do errado inconsciente, mas a ressaca viria impetuosa e ácida. Pairar numa espiral do silêncio, leve em meio ao maremoto, não é possível quando se é alvo de mil vozes e olhares alheios - ou próprios.
Hoje enxergo quão equivocados foram meus ímpetos. Sem flagelar-me ou lamber-me em autopiedades, ressôo e suo antídotos para minhas cãibras.
Quisera eu a leveza dos cirros da inocência. Peço água e adormeço.