retorno
Foi quando se percebeu acordado para um lado de dentro. O tempo era agora se enlear nos revolvimentos preguiçosos do espírito, deixar-se levar pela brisa azulada dos dias montanhosos. Alva luminosidade de tardes em cismar sozinho, por uma leveza de conquista árida e suada. As lágrimas que ainda insistiam em não secar dentro de si quiçá um dia tornariam tudo aquilo mais simples em um outro lugar. O tempo era agora o próximo passo.
O copo vazio, o limite linear do olhar sobre o mundo, como uma fotografia em branco.
– Preciso caminhar um pouco, procurar significados. Ir a lugares conhecidos. Preciso de um pouco de frio.
O copo violentamente vazio. Olhos perdidos num ponto sem foco. O desfoque traz à memória momentos de amor e de sorrisos despretensiosos. Foram-se, ao menos por agora, os dias em que se buscava vida por entre as pedras. E assim, de repente, tudo se esvai e volta à tona a terrível eternidade do momento. Os cheiros estão longe, guardados para algum dia. Também as palavras.
Já era hora de levantar-se. A terra era forte e suculenta, flores murmuravam nuvens. Tudo irritantemente belo, largo engano para os sentidos. Tudo ocultava uma aguda ausência de perspectiva daqueles todos em volta, cada um em suas pequenas aflições e guerras interiores. Cada um curtindo em pele e sal a sua própria angústia, seus próprios jardins infrutíferos. Conteve-se por um instante. Sim, distâncias o atormentavam, mas não havia para onde fugir. Já era hora de levantar-se.
Hesitou. Quando a dor se torna uma sensação contínua, o corpo se acostuma, o vício se enraíza pelos abismos da carne. E por mais que não percebesse, ou talvez não admitisse, a dor fora até então como que uma necessidade, uma substância que causava abstinências naquela alma inquieta. Lembrava-se agora, entretanto, e não sem certa alegria, de momentos vagos que vivera naquele mesmo lugar. Uma alegria comedida, incerta, que esboçava nos cantos do rosto um sorriso rude e envelhecido. Aquele lugar possuía memória. E era essa memória, de um si mesmo que hoje já não era mais, que o impressionava. A efemeridade dos si mesmos, a inconstância – ou inconsistência – das épocas. Sempre as mesmas dúvidas. Nunca as mesmas dúvidas. Não mais cabiam cobranças ou grandes expectativas. O momento exalava silêncios em uníssono. Respostas não havia, mas as imagens que surgiam eram doces e confortantes o suficiente. Ao sentimento de autocomiseração, opunha-se agora aquele raro êxtase, aquele calafrio de memórias de cores deliciosamente estouradas, estacionadas num lugar seguro da história.
A tarde escorria pelo horizonte e dava lugar à noite com lentidão, espetáculo de luzes. Mas não, já era hora de levantar-se.
Foi quando adormeceu.
O copo vazio, o limite linear do olhar sobre o mundo, como uma fotografia em branco.
– Preciso caminhar um pouco, procurar significados. Ir a lugares conhecidos. Preciso de um pouco de frio.
O copo violentamente vazio. Olhos perdidos num ponto sem foco. O desfoque traz à memória momentos de amor e de sorrisos despretensiosos. Foram-se, ao menos por agora, os dias em que se buscava vida por entre as pedras. E assim, de repente, tudo se esvai e volta à tona a terrível eternidade do momento. Os cheiros estão longe, guardados para algum dia. Também as palavras.
Já era hora de levantar-se. A terra era forte e suculenta, flores murmuravam nuvens. Tudo irritantemente belo, largo engano para os sentidos. Tudo ocultava uma aguda ausência de perspectiva daqueles todos em volta, cada um em suas pequenas aflições e guerras interiores. Cada um curtindo em pele e sal a sua própria angústia, seus próprios jardins infrutíferos. Conteve-se por um instante. Sim, distâncias o atormentavam, mas não havia para onde fugir. Já era hora de levantar-se.
Hesitou. Quando a dor se torna uma sensação contínua, o corpo se acostuma, o vício se enraíza pelos abismos da carne. E por mais que não percebesse, ou talvez não admitisse, a dor fora até então como que uma necessidade, uma substância que causava abstinências naquela alma inquieta. Lembrava-se agora, entretanto, e não sem certa alegria, de momentos vagos que vivera naquele mesmo lugar. Uma alegria comedida, incerta, que esboçava nos cantos do rosto um sorriso rude e envelhecido. Aquele lugar possuía memória. E era essa memória, de um si mesmo que hoje já não era mais, que o impressionava. A efemeridade dos si mesmos, a inconstância – ou inconsistência – das épocas. Sempre as mesmas dúvidas. Nunca as mesmas dúvidas. Não mais cabiam cobranças ou grandes expectativas. O momento exalava silêncios em uníssono. Respostas não havia, mas as imagens que surgiam eram doces e confortantes o suficiente. Ao sentimento de autocomiseração, opunha-se agora aquele raro êxtase, aquele calafrio de memórias de cores deliciosamente estouradas, estacionadas num lugar seguro da história.
A tarde escorria pelo horizonte e dava lugar à noite com lentidão, espetáculo de luzes. Mas não, já era hora de levantar-se.
Foi quando adormeceu.
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