sábado, junho 26, 2004

náufraga

Nascera em ambiente hostil. A casca frágil da tenra infância logo vertera-se em armadura pelo contato com a crueldade e a indiferença do asfalto. O gosto amargo da metrópole integrava seus sentidos.
Cresceu e não saiu do lugar. Cresceu forte, porém dúbia. O caos havia tatuado inúmeras sensações e lembranças distintas em sua própria história, de forma que ela se tornara algo cosmopolita ao extremo. A intensidade com que as múltiplas cenas se sucediam em seu trajeto tornaram-na um objeto-mosaico. E quantos não choraram e nela encontraram consolo...! E os que foram felizes ao seu lado, e os que rasgaram sua derme, suas vísceras, por ódio ou amor... Regada tantas vezes por secreções humanas, construira sentimentos híbridos e intensos dos quais se embriagava nas noites frias.
A sucessão de luzes, ruídos e pessoas embalava sua solidão. Sua introspecção exalava silêncio. O ciclo sazonal de vida a que era submetida reconstruía todo o seu ser insistentemente. Mesmo assim, ainda era a mesma.
Posso vê-la balançar com o vento. Ferida pelo caos sem deixar de amá-lo, ela impõe-se viva num habitat que lhe é indiferente.
Bela. Uma árvore em meio à metrópole.